terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Uma outra visão de Mano Menezes

Texto extraído do blog do Juca Kfouri, escrito por Airton Gontow, jornalista, cronista e gremista.



Adeus, Manin

Já que o remake dos grandes filmes está em moda, que tal fazer uma nova versão de "Inacreditável – A Batalha dos Aflitos", documentário longa-metragem tão bem dirigido por Beto Souza, com roteiro de Eduardo Bueno? Não, não é preciso mudar muita coisa. Aos 35 minutos do segundo tempo o juiz marca um pênalti inexistente para o Náutico. Os jogadores do Grêmio reclamam, protestam, peitam o árbitro e um a um são expulsos até que ficam apenas sete em campo. Sete contra onze!

O roteiro, o cenário, os personagens, tudo permanece igual. O estádio lotado com 20 mil pernambucanos ensandecidos, o pênalti contra, o Grêmio desfigurado. O adversário ajeita a bola, toma distância, dá uma curta corrida em direção à bola e – agora é que o filme muda! – faz o gol de pênalti.

Ao contrário do antológico filme de Wolfgand Becker, "Adeus, Lenin", em que o personagem procura reinventar um mundo em que o Muro de Berlim não caiu, imaginemos um filme em que o Grêmio não subiu à Primeira Divisão do futebol brasileiro.

O que seria dito no dia seguinte? O que estaria estampado nos jornais? O que estaria na boca do povo e nas vozes dos ferozes cronistas esportivos do Sul do País? Como seriam os depoimentos dos personagens – jogadores e torcedores famosos - neste remake de "Batalha dos Aflitos". O novo filme tem as respostas: "O Mano Menezes pôs o time lá atrás e o Grêmio não deu um único chute a gol durante toda a partida!", "O Grêmio mais uma vez jogou um futebol covarde fora dos seus domínios!", "O Mano não mandou o time para frente nem mesmo depois de o Náutico perder dois gols e um pênalti no primeiro tempo", "Como pode um técnico deixar o craque do time, o Ânderson, no banco de reservas durante quase todo o jogo decisivo e, pior, em quase toda a competição?"

Mano Menezes seria visto como um técnico que sabe ler como poucos o esquema tático do adversário, que consegue extrair o máximo empenho e desempenho de um limitado grupo de jogadores e, ainda, como um notável motivador de grupo. Mas também seria percebido como um técnico que não sabe criar esquemas para aproveitar melhor o potencial de seus poucos craques, que atua de forma covarde e inadmissível fora do Olímpico e que possui o estranho hábito de colocar em campo alguns jogadores como Ramon, contra a opinião de todos e da própria bola, que se afasta sempre que a procuram.

Neste enredo alternativo, que proponho agora, Mano Menezes seria colocado em seu devido lugar – ao contrário do filme e da realidade, onde foi guinado à condição de responsável maior pela conquista. Se Mano não é, obviamente, um vilão, também não é o mocinho da história, o herói destemido que arrancou o time das garras desta terrível bandida, que é Segundona. Neste filme, Mano é apenas um bom ator coadjuvante, que até consegui roubar algumas cenas, mas que não tem a mesma importância na vitória contra o Náutico que Ânderson, Gallato e a mítica camisa tricolor – esses sim os verdadeiros heróis dos Aflitos.

Mano não é herói no meu remake da "Batalhas dos Aflitos". Não apenas porque na nova história o Grêmio perde a guerra, mas porque o cinema não transforma o medo em heroísmo! Além disso, é um treinador que se recusa terminantemente a aprender com as lições da história. Transformou o que foi sorte em tática de jogo e atuou como nos Aflitos na quase totalidade das partidas fora do estádio Olímpico.

Se alguns personagens do Cinema ficaram imortalizados por suas expressões, como o T-800 de Arnold Schwarznegger em "O Exterminador do Futuro", com seu "Hasta la vista Baby", em meu remake dos Aflitos - e em todos os outros filmes seguintes -, vemos Mano Menezes, em close, dizer antes das partidas do Grêmio jargões como "Temos de valorizar a posse de bola" e "Precisamos saber jogar com inteligência aproveitando os erros do adversário"...

Mano sempre diz a mesma coisa e o Grêmio invariavelmente perde as partidas disputadas fora de seus domínios. Em um dos filmes, vemos o tricolor gaúcho derrotado em seis dos sete jogos disputados fora de casa na Libertadores (a única vitória aconteceu contra o Cerro, com o goleiro Saja defendendo um pênalti no último minuto). Em outra película, o Grêmio é derrotado em 12 das 19 partidas jogadas fora de casa (das cinco vitórias, duas foram no próprio estado, contra Inter e Juventude; e uma contra o América, último colocado, com portões fechados). Sempre jogando com inteligência. Sempre valorizando a posse da bola.

E no documentário sobre o último Campeonato Gaúcho então? Vou mostrar em câmera lenta alguns lances dos jogos mais importantes sob o comando de Mano Menezes. Reparem na postura passiva do Grêmio na derrota de 3 a 0 para o Caxias na final do Gauchão, lá na Serra! Percebam a postura retranqueira do time! Vejam no filme do Brasileirão em slow-motion os melhores (piores?) momentos dos quatro jogos decisivos fora de casa na reta final do campeonato – contra o América não conta! Derrota para o Flamengo, para o São Paulo, para o Atlético e para o Palmeiras. Sempre jogando com inteligência. Sempre esperando pelo adversário.

Haverá neste documentário os depoimentos dados por jornalistas e pelo goleiro Rogério Ceni do São Paulo após a partida, estupefatos com o fato do campeão brasileiro ter atacado mais que um time que precisava da vitória. Também destaque para o banco de reservas. O técnico preferiu trocar o Bustos, exímio batedor de faltas, pelo Patrício. E ainda colocou o Ramon de titular. Tetas no lugar de Bustos!

Assistam também ao documentário de terror que foi a partida contra o Flamengo no Maracanã. O Grêmio havia atuado contra o Goiás no domingo anterior, em Porto Alegre, em jogo morno. Já o Flamengo tinha viajado para pegar o Paraná, em partida dificílimo no domingo e, depois, enfrentado seu arqui-rival Vasco, em partida disputada em ritmo alucinante e debaixo de uma chuva torrencial durante os 90 minutos. Para piorar, o Flamengo atuou com dez desde o início. No domingo, era o jogo de um time descansado contra uma equipe extenuada. O que o Grêmio fez? Jogou com inteligência, e valorizou a posse de bola. Ficou aguardando pelo Flamengo! Não cansou o adversário. Não sufocou o rival. O Flamengo gostou do jogo. A torcida se empolgou e a derrota foi, mais uma vez, inevitável. O mesmo filme de sempre. A mesma tática vencedora dos Aflitos! O acaso transformado em filosofia de jogo!

Há também as cenas lamentáveis de outros jogos do Grêmio fora de casa, como contra o Santos, quando o adversário estava morto em campo e os próprios narradores de diferentes emissoras diziam que o Grêmio não queria vencer a partida! Vejamos as imagens do embate contra o combalido Corinthians no Pacaembu. O Grêmio ganhando de um a zero, a torcida corintiana vaiando o time, a bola queimando dos pés dos jogadores do timão.... Como em tantas outras no campeonato, o Grêmio poderia ter arrancado em rápidos contra-ataques de dois contra um, de três contra um. Mas não podia. Lá à beira do gramado estava o coadjuvante transformado em astro principal: gesticulando e gritando com o time! "Estamos ganhando, estamos ganhando; é preciso valorizar a posse de bola; é preciso jogar com inteligência!" E mais uma vez o Grêmio não definiu a vitória. O Corinthians empatou, a torcida passou a apoiar o time e a derrota improvável, para um time medonho, acabou se tornando realidade.

Neste Brasileirão, na imensa maioria dos jogos em que o Grêmio saiu na frente não houve um único contra-ataque que ampliasse a vantagem. Contra o Palmeiras, o Atlético-MG e, agora, o Corinthians, vitórias parciais e – é preciso jogar com inteligência! –, no fim, empate. Contra o Figueirense, vitória parcial e, no fim, derrota. O Grêmio sempre tocando a bola de forma inócua, sempre abdicando do ritmo de jogo e da fluidez necessária ao bom futebol.

Claro, dirão alguns, há jogos em que o Grêmio goleou ou, ao menos, abriu dois gols de vantagem. Mas foram partidas em que o time havia perdido fora de seus domínios e o técnico não podia segurar o resultado. Nestes jogos eliminatórios, Mano não podia controlar o time, não podia pedir que valorizassem a posse de bola e que abdicassem do ataque. Catástrofe nos três a zero para o Caxias? Quatro a zero em Porto Alegre! Dois a zero para o Defensor no Uruguai? Dois a zero em casa e vitória nos pênaltis! Derrota para o São Paulo por placar mínimo no Morumbi? Dois a zero no Olímpico!

Mano, repito, tem méritos e tudo para se firmar como um dos grandes treinadores do País. Mas por enquanto é ainda um técnico menor – um Celso Roth melhorado, capaz de tirar o time das últimas colocações e conduzi-lo a lugares seguros, mas não ao topo da tabela de grandes competições de pontos corridos, como o Brasileiro. Ainda que possa até conquistar uma Libertadores, como quase conseguiu este ano - nos mata-matas. Perdendo fora, vencendo em casa...

O Grêmio deve muito ao treinador e torço até para que ele volte no futuro. Mais ousado e maduro. Mas o fato é que mesmo com jogadores apenas razoáveis o time poderia ter ido mais longe. É hora de colocar outro filme no DVD. Talvez por isso o ato falho do presidente Paulo Odone ao anunciar como novo técnico ninguém mais ninguém menos que "Walter Avancini".

Bem-vindo Vagner Mancini! Adeus, Manin! Ou melhor: Hasta la vista, baby!

2 comentários:

@snel disse...

Fodíssima, mas infelizmente, é a realidade, ou melhor (acho eu) era a realidade!

Museu do Cinema disse...

Sensacional esse artigo, adoro o Mano, mas tenho que dar razão ao Juca. Contra numeros não há argumentos.

Seja bem vindo Vagner Mancini.